terça-feira, 29 de dezembro de 2009

A burocracia da desconfiança

Eu li algumas coisas do Karl Marx pra apresentar um trabalho no final do semestre... Descobri que realmente discordo de praticamente tudo que ele diz. Mas é certo que a utopia dele é linda! *.*

Uma sociedade que apenas produz para si mesma. Meu professor disse que o tempo de trabalho diário necessário para produzir para a sociedade é de duas horas. O resto do tempo poderia ser útil para estudar, pensar, criar, fazer arte, se divertir. Então por que, na vida real, é exigido tanto trabalho?

São 3 coisas: o excesso de mentiras, a falta de empatia e a incapacidade de enxergar a sociedade como ela deveria ser.

Muito trabalho é gerado apenas para garantir que o cidadão siga as leis. Para garantir que ninguém vai tirar proveito de algo, deixando os demais prejudicados. Esse risco do infeliz sacanear é o que faz o próprio infeliz trabalhar tanto num serviço que, na sociedade linda de Marx, é completamente inútil.

Vou escrever sobre mim. Minha mae é contadora. Eu trabalho com ela há uns 7 anos. Resolvi cursar Ciências Contábeis também. Descobri que é um curso idiota. Partilhas dobradas é uma bobeirinha que qualquer cidadão aprende em uma semana. E pronto. Se ele sabe débito e crédito, ele sabe tudo sobre Contabilidade.

Mas tudo bem. O primeiro semestre de Ciências Contábeis é lindo. O calouro se imagina o salvador do patrimônio empresarial, a peça fundamental para o enriquecimento dos donos do capital. Mas poucos calouros poderão ser tão úteis assim um dia. Talvez, se o cara se formar e entrar na elite gestora de uma S.A. Me parece que o trabalho para empresas grandes é mais proveitoso, pois o contador realmente auxilia diretamente na gestão da empresa. Apesar de que as partilhas dobradas continuarão tendo um papel secundário, e os indicadores verificados em outras áreas serão muito mais importantes. Não fui claro. Mas meu amigo Marcelo poderia ler isso, ficaria feliz em saber que eu penso que o curso de Ciências Contábeis é inútil e deveria ser "enfiado" no curso de Administração. A Marina não gosta de Administração, por motivos que eu concordo! Mas convenhamos, é um curso bem mais útil do que Contábeis.

Afinal, Contáveis ainda existe porque a contabilidade de microempresas ainda é obrigatória. Isso é o ponto principal da minha vida. Toda a incerteza do meu futuro profissional e das minhas (in)decisões em relação a ele estão na obrigatoriedade da contabilidade para microempreas. O que eu faço no escritório de minha mãe é cuidar da burocracia e dos impostos das microempresas que são nossas clientes. É tudo fantasia. Inventamos papéis e números para apresentar para o governo, e entregamos um valor para a empresa pagar ao governo. Pense bem, isso é inútil. Eu me sinto realmente mal em ter um trabalho inútil.

Se eu pudesse, lutaria para que o pequeno empreendedor ficasse livre da obrigatoriedade de pagar caro para um contador inútil, além de todas as frescuras relativas à manutenção burocrática de sua empresa. Muito já tem sido feito pra isso: o Simples Nacional, o Microempreendedor Individual. Mas ainda estamos há alguns passos desse lindo dia, quando os contadores de micro e pequenas empresas vão ficar desempregados. E a maior parte dos contadores são contadores de micro e pequenas empresas.

Insatisfeito com a inutilidade do meu trabalho, resolvi me aventurar no Procon, para verificar como a justiça brasileira está funcionando, ter certeza de que pelo menos os consumidores estão sendo devidamente protegidos. Mas... que decepção! Olhando aquilo eu pude ter certeza de que a justiça é lenta apenas porque as pessoas não conhecem Marx.

O Procon é inútil. É uma coisa que não faz sentido, não deveria existir, não deveria ocupar espaço. É o órgão responsável para defender a parte hipossuficiente na relação de comércio: o consumidor. (My Godless, essa HIPOSSUFICIÊNCIA me mata! Quem foi o idiota que enfiou essa porra no sistema jurídico? A Justiça existe para manter a harmonia entre duas partes, não para fixar uma dessas partes como detentora de maior protenção!) O cidadão, instatisfeito com a operadora de telefone vai lá no Procon e reclama da conta exorbitante. Meses depois tem uma audiência, nada se resolve. O Procon cobra uma multa de 50 mil reais que poderá ser atenuada para 3 mil se a empresa atender o pedido do consumidor. A maioria das empresas prefere pagar 3.000 para o Procon, ao invés de descontar 40 reais da conta do cidadão logo de cara. Se ainda não foi resolvido, o consumidor que se foda, afinal, o Procon já ganhou o que queria ganhar.

Isso ainda é bonito. Mas verificando melhor, o que mantém o Procon é a multa que eles aplicam às empresas. Qualquer bostinha dá a eles o direito de aplicar uma multa. Se o consumidor não entendeu a promoção direito, se ele não leu o contrato, se ele não conseguiu se comunicar direito com o banco, se ele quebrou o produto e exige reposição pela garantia... O valor da multa é estimado por estagiotários como eu, que escolhem valores aleatórios com base no nome que a empresa tem. As decisões (99% a favor do consumidor) são bem tedenciosas ao consumidor - a parte-hipossuficiente-detentora-de-toda-a-razão-sempre. O Procon, personificado, que deveria ser mediador JUSTO na relação de consumo surge como aproveitador da pequena insatisfação do infeliz revoltadinho para ter o direito de se auto-sustentar através da punição feita às malvadas empresas fornecedoras. O Procon, personificado, está pouco ligando para que a discordância seja resolvida da maneira mais harmônica possível. Ele está ligando apenas para verificar se não vai ser um absurdo defender o consumidor, defendê-lo e tirar seus recursos a partir daí.

O pessoal que trabalha lá cuida de outros detalhes para que a burocracia seja feita perfeitamente. Pedidos, papéis, carimbos, formulários, milhares de assinaturas, protocolos, listas... Tudo para que ninguém engane ninguém! Assim pude perceber o porquê dos processos jurídicos serem tão lentos. São MUITOS detalhes para garantir a legitimidade dos processos. Essas coisas seriam descartáveis se as pessoas fossem confiáveis. Eu realmente acho as leis lindas. Mas se todas as discordâncias do mundo pudessem ser resolvidas pelos antigos sábios, tudo seria mais fácil. As leis tentam prever as situações de forma precária. As leis inventam coisas como "hipossuficiência" e "danos morais". Valquíria, danos morais é uma coisa nojenta e inútil! Além de desrespeitosa, ocupa o tempo que seria útil para resolver as poucas discordâncias importantes dos outros processos.

São 3 coisas:

  • O excesso de mentiras: a mentira cria a necessidade de provas para se verificar a verdade. Já tentou imaginar se ninguém mentisse? Como seria? Durante muito tempo defendi a idéia de que a mentira sustenta a paz. Mas não... Por causa da mentira, a sociedade precisa gastar muito tempo garantindo a legitimidade das coisas.
  • A falta de empatia: meu ex professor Hugo (rapaz admirável!) gostava de fazer debates na sala de assuntos polêmicos, esses de aborto, pena de morte e legalização das drogas... Porém, quem era a favor deveria debater contra, e vice-versa. Acho que entender o outro lado é a chave da paz. Abrir mão de certas coisas, perdoar, compreender que o que você perde e menor do que o que o outro ganha. "Não faça com os outros o que não quer que façam com você." Esta é a mais sublime lei. Nenhuma outra lei seria necessária se ela fosse seguida por todos. Eu amo isso, muito.
  • A incapacidade de enxergar a sociedade como ela deveria ser: O que é a sociedade? É o grupo das pessoas. Escolhemos os líderes, que governarão os métodos para o grupo viver em harmonia. O que o cidadão faz para a sociedade, ele estará fazendo para si mesmo. Um professor de Administração me fez ter certeza de que sou contra a sonegação de impostos. Não digo que a administração pública é uma coisa maravilhosa, mas o cidadão também não é. O cidadão não dá à sociedade o que lhe deve, o cidadão não valoriza o bem público. Como pode ele reclamar?
Na sociedade perfeita de Marx, não se precisa de um governo. As pessoas compreendem a sociedade e dedicam sua vida a ela. Elas não mentem, não há motivos. Elas sabem entender a outra parte, não precisam de um Procon (e nem mesmo de um sábio) para resolver suas discordâncias de forma justa. Na sociedade perfeita de Marx, a contabilidade de microempresas desapareceria, o Procon desaparecedia, as pilhas de processos jurídicos desapareceriam, as fiscalizações desapareceriam, os marcadores de qualidade e higiene desapareceriam, as dificuldades de cobrança desapareceriam, as prisões desapareceriam, os exércitos desapareceriam, todos os detalhes burocráticos e o trabalho surgido daí em todas as áreas do trabalho desapareceriam. Isso tudo é inútil.

A sociedade perfeita de Marx não existe, e nunca irá existir. Mas podemos nos esforçar pra chegar perto disso né? Um pouco de honestidade, de sinceridade, de compaixão (Kundera (L)) e talvez, o pedaço da sociedade mais próximo de nós ficará um pouco melhor.

(:

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